segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os últimos pontos de mamãe

Eu chegara apressada em casa aquela tarde
Correndo, aproximei-me de mamãe
E com Alarido, a fremir de entusiasmo e regozijo
Dei-lhe a noticia, Alvissareira,
Do aniversário de Letícia
A amiga dedicada e boa companheira de estudos
"Mamãe", fui convidada
A ir também à festa
Como não tenho roupa apropriada
Só me resta esperar que a senhora,
Apronte sem demora a blusa escocesa que vovó me deu.
Ficaria muito bem com a saia de lã
Brilharei com certeza
Na festa de amanhã!
Mamãe olhou-me, suave como sempre
E apenas suspirou.
Notei em seu semblante uma expressão de dor,
De doença e fadiga
Que ela sempre amiga
Procurava ocultar num sorriso de amor.
Saí a preparar as minhas lições,
Depois fui ler histórias no jardim
E quando a tarde chegava ao fim,
Fui ver se o meu pedido
Já fora atendido.
Na sala quase escura
Avistei a costura
Dobrada com cuidado
Junto á máquina,
Ao desdobrá-la
Indiscutível foi meu desagrado
Apanhei o trabalho bruscamente
E fui apresentar à mamãe que na cozinha
Ultimava o jantar.


Meu rosto bem traia
O que eu sentia
"Mamãe, disse-lhe então
Eu lhe agradeço
A atenção que não mereço
Mas se a senhora não se incomoda
Digo-lhe agora
Que não gostei da blusa.
A senhora bem vê que não está na moda;
Mamãe olhou-me o rosto descontente
Todavia, não teve, o olhar de quem acusa
Mas sim o merencório olhar de uma doente.


Logo depois do jantar, eu a vi caminhar
Com passos arrastados
Para junto da máquina.
Seu rosto tornara-se macilento
E a costura tremia em suas mãos por um momento
Tristeza estranha me invadiu a alma
Senti quão rude fora, entretanto, o orgulho e a vaidade
Aniquilavam logo aquele sentimento
Que seria talvez de piedade
Ou uma espécie de arrependimento,
No outro dia, cedo ainda,
Mamãe com fraca voz se pôs a me chamar.
Estranhei, fui ao quarto dela correndo
E lá bem junto ao leito pude ver,
À frouxa luz da vela.
A blusa que mamãe estivera a fazer
Querida: disse ela, estou muito doente,
Entretanto ainda hoje espero levantar
E então darei os derradeiros pontos, alguns somente
Para a blusa terminar
Será que agora vais ficar contente?
Seu rosto iluminou-se docemente
Ao proferir as palavras últimas que de mamãe ouvi
Pois naquele mesmo dia
Quando no acaso o sol em agonia
Descansava do mundo e sua lida
Aquela que era o sol de minha vida.
Muito chorei arrependida de ter sido tão exigente
Em minha vaidade desmedida e hoje ainda
Choro amargurada ao contemplar a blusa inacabada
Onde está presa a agulha enferrujada
Com os derradeiros pontos que mamãe nunca mais deu!



Fonte: www.jovemadventista.com.br